sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A mão dele no meu queixo

Você sobrevive naquele momento em que eu estou com alguém e minha cabeça se distrai, deslizando meus olhos delicadamente para o lado esquerdo, enquanto a cabeça permanece imóvel, na tentativa de fingir acompanhar o que a outra pessoa está dizendo. O mesmo momento em que essa outra pessoa coloca a mão no meu queixo e pergunta, em uma caótica mistura de curiosidade e angústia, o que eu estou pensando, ao mesmo tempo em que tenta arrombar essa porta que eu coloquei entre ela e eu para finalmente entrar na minha cabeça, onde você está confortavelmente alojado. E isso viola minha liberdade de todas as maneiras que você conseguir imaginar. E essa pessoa não sabe, mas essa vai ser apenas a primeira das tantas vezes em que eu vou fazer isso, até encontrar alguém com quem eu queira passar mais do que meia hora em um restaurante ou até o dia em que você parar de sobreviver nesses segundos em que meus olhos procuram um ponto de fuga e ficam concentrados na sua estúpida e desnecessária existência dentro da minha vida. E, com sorte, um dia eu vou ficar parada na frente do microondas, vendo a comida girar, num balé interminável que me coloca em transe, e você não vai aparecer para me lembrar do quanto é um cara incrível, adorável e impossível. E a comida girando vai ser só mais uma comida girando durante cinco minutos na bandeja. E o timer vai alcançar a contagem de 3, 2, 1 e eu finalmente vou voltar a mim, sem sequer ter lembrado de você naquele espaço de tempo ocioso. E esses minutos preciosos vão ser de outro alguém, talvez daquela mesma pessoa que não vai mais precisar virar o meu queixo para me lembrar de que ela está logo ali, bem na minha frente, e não você, e não aquele lugar para onde eu fujo dentro da minha cabeça para encontrar você, rir das suas piadas tímidas, lembrar dos seus olhos, encarar a sua resignação ou para comparar você com os caras que eu conheço. Um dia isso ainda vai acontecer, eu espero, e a minha liberdade não vai ser mais violada pelos seus adjetivos e pela insegurança dos outros, que eu batizo de tempos em tempos com a minha falta de. Falta de vontade, falta de interesse, falta de atenção. Mas se nem assim, nem com o passar do tempo, nem depois de eu conhecer muita gente, você não fizer a gentileza de sair da minha cabeça, então eu quero sair dela, por favor.

sábado, 9 de outubro de 2010

Carta reclamando da não-conclusão das coisas e ainda assim, não concluindo nada.

Querido A.,

não sei bem o que tem acontecido. Por um lado é tão mais simples me manter distante, e na maior parte do tempo eu nem lembro dessa confusão que a gente criou, e tenho vivido bem, e sei que você também. Uma vez você me falou que o meu carinho é o mais distante mas o mais fácil de sentir, e acho que é bem isso.
Tem coisas que nenhuma distância mata, né? Mas não posso me culpar se às vezes, não adianta, tudo que eu sinto é que não tá certo isso, as coisas não eram pra ter acontecido desse jeito, eu não devia sentir nenhum remorso nem rancor; uma coisa que eu aprendi nessa vida é: esclareça o lugar dos amores. E de todos os meus amores, eu saí bem, porque nunca tive problemas com concluir nada. Pra mim o que acabou acabou, eu não tenho vínculos mal-resolvidos com coisas nem pessoas do passado, nunca quis voltar atrás em nenhuma decisão e nunca me arrependi de não ter voltado atrás.
O problema aqui não é o que eu decidi ou não, mas a falta de conclusão. Porque cada vez que eu tento concluir, dar o nó final e definitivo, você puxa uma pontinha solta e começa tudo de novo. E talvez eu deixe essa pontinha solta de propósito, mas eu acho sinceramente que não. Eu admiro sua vontade de não terminar nossa história e de deixar uma pontinha de esperança pro futuro, admiro essa sua crença de que as coisas podem mudar pra melhor, mas duvido muito dessa dicotomia melhor-pior que você criou.
As coisas só mudam, e a gente nunca sabe se é pra melhor ou pior, a gente só sabe que ficam diferentes. E as coisas estão diferentes do que a gente tinha pensado, e eu me preparei para aceitar que elas estão diferentes e acabou, mas você fica insistindo na efemeridade da nossa situação atual ao invés de abraçar e viver isso do jeito que tem que ser vivido.
Nada é melhor ou pior, A., a vida só é.
Mas ainda assim, seu carinho é o mais fácil de sentir, mesmo de longe, mesmo em silêncio.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A cidade e o símbolos

"[...] enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes.

Como realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que esconde, ao se sair de Tamara é impossível saber."